Por Mauro
Meister
Tanto para
o povo hebreu, que viveu durante 430 anos no Egito - quase todo esse tempo em
regime de escravidão -, quanto para os cristãos, a Páscoa tem um significado
essencial: libertação. Aproveitando-nos do tempo e da época em que, com grande
estardalhaço de coelhos e ovos, se comemora a páscoa comercial que traz alguma
esperança de livramento da opressão da crise econômica para muitos envolvidos
no mundo dos negócios, convido o leitor a refletir sobre o significado básico
desse precioso evento.
Quando se
fala em libertação, presume-se que existe a liberdade, bem como o cerceamento
dela. A sua existência carece de uma definição, até mesmo para que possamos
começar a conversar. Assim, nem a liberdade está livre de uma definição que a
resuma, conceitue e lhe dê significado além da própria palavra. O conceito
libertário, tão propagado nas décadas revolucionárias do final do século passado,
em que o homem almejava ser “uma metamorfose ambulante”, livre de leis, de
conceitos e de opiniões formadas, tem provado ser uma ilusão e um caminho de
degradação para a raça humana, pois a liberdade de um, nesse sentido, é a
prisão de outros. A ideia de uma liberdade absoluta morre quando deixamos de
defini-la. Logo, a liberdade só pode ser “liberdade para” ou “liberdade de”,
mas nunca “liberdade” só.
A
conhecida história da libertação dos descendentes de Abraão, Isaque e Jacó,
registrada no livro do Êxodo (capítulo 12), mostra-nos estes dois lados da
liberdade: “da” escravidão no Egito, onde eram oprimidos como etnia, e “para”
adorar ao Deus de seus pais de maneira completa. Ali, o povo hebreu não só era
escravo no corpo, mas escravo na mente, quando não tinha a liberdade de
expressar a sua fé no Deus que havia se revelado aos seus antepassados e os
convocava para a adoração verdadeira. O povo era escravo dos ídolos do Egito em
suas mais variadas formas, fossem eles ídolos religiosos, culturais ou econômicos.
Nem a liberdade de serem fecundos tinham, pois o soberano da nação mandou
assassinar todas as crianças do sexo masculino que nascessem de mães israelitas
(Êxodo 1.15).
A sua
saída do Egito às pressas, depois que seus exatores foram fustigados pela mão
de Deus, mostra-nos com clareza que a “liberdade de” tem como propósito a
“liberdade para”. Disso os que foram libertados nunca poderiam esquecer, senão
tornar-se-iam escravos mais uma vez. Deus lhes proveu uma maneira de manter
isto vivo na memória: o povo poderia desfrutar da liberdade obedecendo ao que
lhe era ensinado. Deveriam, todos os anos, reunir-se e celebrar a libertação
comendo pães sem fermento durante uma semana, acompanhados de ervas amargas e
com a carne de um cordeiro sem defeito, imolado para a ocasião especial. O pão
lhes lembraria a rápida fuga, sem o tempo para a preparação do pão com
fermento, quando deixaram um país e toda uma vida de escravidão para trás. As
ervas seriam a lembrança do amargor de ser escravo e não ter liberdade “de” e
“para”.(Êxodo, capítulo 1, versos 13 e 14a: “então, os egípcios, com tirania,
faziam servir os filhos de Israel e lhes fizeram amargar a vida com dura
servidão”). O sangue do cordeiro seria passado nas portas, lembrando-lhes que a
sua liberdade foi a custo de sangue e intervenção divina. Assim também
lembrariam que não deveriam escravizar outras pessoas.
Pouco mais
de um milênio depois da primeira Páscoa, um homem chamado Jesus (em hebraico,
Josué), nascido na cidade de Belém da Judeia (que foi o berço do grande rei
Davi) e criado no vilarejo de Nazaré (lugar desprezado na “Galileia dos
gentios”), celebrava a Páscoa em Jerusalém junto com outros doze que o seguiam
por toda parte. Sabemos que havia pão e vinho à mesa. Provavelmente serviu-se o
cordeiro assado, conforme mandava a lei. Supomos que, por obediência, afinal
não houve outro que fosse obediente como Jesus, as ervas amargas estivessem no
centro, lembrando-lhes a escravidão passada e a amargura presente. Viviam na
Terra Prometida, mas não tomaram posse dela. Tinham suas casas, mas não as
possuíam. Criavam seus filhos na religião, mas não eram livres para servir ao
Deus verdadeiro. Não eram estrangeiros, mas continuavam escravos. Quase todo o
povo sabia dessa amarga realidade, mas poucos ousavam articular as palavras que
a revelasse. Seus líderes religiosos mentiam a si mesmos dizendo: “somos
descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém” (João 8.33). Eram
escravos do seu próprio orgulho. Tinham os olhos cegos e o coração endurecido
(Isaías 6.10), como o de Faraó, que não os deixara sair do Egito.(Êxodo,
capítulo 7, verso 13)
O homem
que coordenava a celebração naquele pequeno refeitório tinha uma clara missão:
ensinar de maneira definitiva o significado da liberdade, exemplificar de
maneira encarnada o que é ser livre e efetivar a libertação daqueles que
viessem a conhecer a verdade.(Evangelho de João, capítulo 8, verso 32: “e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”) Como fez isso? Encarnando a
própria Páscoa, experimentando o profundo amargor de ser condenado sem culpa e
morto, tornando-se o próprio cordeiro pascal, o Cristo (que significa o ungido,
escolhido por Deus).(“Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa,
como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal,
foi imolado.” 1 Coríntios 5.7). Assim, o Cordeiro Pascal veio trazer “liberdade
para” que o ser humano pudesse ser, amar, servir e conhecer a verdade. E
“liberdade do” pecado escravizante que cega e não permite ao indivíduo saber, sequer,
que é escravo. Não é liberdade absoluta, no sentido pretendido pelo modernismo
e pós-modernismo, mas relativa e condicionada à verdade absoluta que a define.
Parte fundamental do sentido de liberdade está no respeito ao próximo, que é
amar ao próximo como a si mesmo, mas isso é fruto de servir a Deus, amando-o do
todo coração, força, alma e entendimento.
Como
celebramos a liberdade cristã na Páscoa? Conhecendo a Verdade, amando a Deus e
ao próximo, obedecendo àquele que nos ensinou a fazer, em memória dele, a
encenação daquela última ceia pascal de que Ele mesmo partilhou. Repetindo-a
por que Ele disse que estaria conosco até a consumação dos séculos.
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